terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A SOGRA ENGANANDO O DIABO - Leandro Gomes de Barros - I



Dizem, não sei se é ditado,
Que ao diabo ninguém logra;
Porém vou contar o caso
Que se deu com minha sogra.
As testemunhas são eu,
Meu sogro, que já morreu,
E a velha, que é falecida.
Esse caso foi passado
Na rua do Pé Quebrado
Da vila Corpo Sem Vida.

Chamava-se Quebra-Quengo
A mãe de minha mulher,
Que se chamava Aluada
Da Silva Quebra-Colher,
Filha do Zé Cabeludo.
Irmã de Vítor Cascudo
E de Marcelino Brabo,
Pai de Corisco Estupor;
Mas ouça agora o senhor
Que fez a velha ao diabo.

Minha sogra era uma velha
Bem carola e rezadeira,
Tinha seu quengo lixado,
Era audaz e feiticeira;
Para ela tudo era tolo,
Porque ela dava bolo
No tipo mais estradeiro.
Era assim o seu serviço:
Ela virava o feitiço
Por cima do feiticeiro!

Disse o demo: — Quebra-Quengo,
Qual é a tua virtude?
Dizem que és azucrinada
E que a ti ninguém ilude?
Disse a velha: — Inda mais esta!
Você parece que é besta!
Que tem você c’o que faço?
Disse ele: — Tudo desmancho,
Nem Santo Antônio com gancho
Te livra hoje do meu laço!

Ela indagou: — Quem és tu?
Respondeu: — Sou o demônio,
Nem me espanto com milagre,
Nem com reza a Santo Antônio!
Pretendo entrar no teu couro!
E nisto ouviu-se um estouro!
Gritou a velha: — Jesus!
Ligeira se ajoelhou
E, depois, se persignou
E rezou o Credo em cruz!

Nisto, o diabo fugiu.
E, quando a velha se ergueu,
Ele chegou de mansinho,
Dizendo logo: — Sou eu!
Agora sou teu amigo
Quero andar junto contigo,
Mostrar-te que sou fiel.
Minha carta, queres ver?
A velha pediu pra ler
E apossou-se do papel.

— Dê-me isto! grita o diabo,
Em tom de quem sofre agravo.
Diz a velha: — Não dou mais!
Tu, agora, és o meu escravo!
Disse o diabo: — Danada!
Meteu-me numa quengada!
Sou agora escravo dela!
E disse com humildade:
— Dê-me a minha liberdade,
Que esticarei a canela!

Disse a velha: — Pé de pato,
Farás o que te mandar?
Respondeu: — Pois sim, senhora,
Pode me determinar,
Porque estou no seu cabresto
Carregarei água em cesto,
Transformarei terra em massa,
Que para isso tenho estudo;
Afinal, eu farei tudo
Que a senhora disser — faça!

Disse a velha: — Vá na igreja,
Traga a imagem de Jesus.
Respondeu: — Posso trazê-la,
Mas ela vem sem a cruz,
Porque desta tenho medo!
Disse a velha: — Volte cedo!
Ele seguiu a viagem
E ao sacristão iludiu:
Uma estampa lhe pediu
Que só tivesse uma imagem.

A velha, então, conheceu
Do cão o quengo moderno,
E, receando que um dia
A levasse para o inferno,
Para algum canto o mandou
E em sua ausência traçou
Com giz uma cruz na porta.
Voltou o cão sem demora,
Viu a cruz, ficou de fora,
Gritando com a cara torta.


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